terça-feira, 27 de outubro de 2020

Júpiter

I- Começa pelo Epílogo

Júpiter levantou-se, como se ainda dormisse, tocou com as pontas dos dedos os lençóis azuis de algodão da cama... Esfregou os olhos, tossiu e fim.

Virou-se para esquerda com os olhos totalmente abertos, 

passou o polegar pela tela do celular, 

piscou três vezes, visitou 6 o perfil da namorada no Instagram, 

4 corações de um tal de Afonso: "gordo do caralho", pensou.

Desligou a tela, sentou-se na cama, tinha os olhos fechados, respiração serena. fim.

Café da manha na cama... Migalhas de pão e leite derramado, 

banho curto, shampoo e sabão baratos. Fim.

Vestiu camiseta, calça, sapatos, máscara. Ônibus, carteira, dinheiro e troco.  

Ponto número 27, perto da padaria, longe do prédio.  Fim.

Engoliu café, ligou o computador, falou 3 ou 4 palavras com o colega ao lado, coçou os olhos.

Olhos estáticos no relógio. Contou 8 horas e um almoço. Fim.

Júpiter não era gordo nem magro, alto nem baixo. Mediano de descendência desconhecida e provavelmente esquecível. 

Olhos fundos, quase afundando para dentro do rosto angular.  Fim.

Júpiter cheirava a coisa nenhuma, andava reto para direção de nada. 

Parava quieto como a pedra e o verso. 

Feito epílogo de uma peça de teatro inacabada,

escrita em folhas amareladas de um caderno esquecido na gaveta. 

Começo. 

Júpiter não começa aqui. 

 

II- Prólogo

Ela tinha os dedos magros, muito finos, 1,65 de altura, 

gramática de escola pública e matemática pior.

Acordou decidida a ser escritora. 

Escreveu, letra miúda e de leitura difícil. 


Júpiter começa aqui. 





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